O dogma Pascal
"Páscoa" é um termo que provém do hebreu "Pessah" ("passagem"), e designa a festa judia que comemora a mitológica "saida dos judeus do Egipto", segundo a Tanakh (Biblia judaica).
No cristianismo, em cuja Biblia figura a Tanakh como Antigo Testamento, "Páscoa" designa a festa cristã que comemora, segundo os Evangelhos (Novo Testamento), a morte e a ressureição de Cristo.
Segundo a mitologia cristã, Cristo é crucificado numa sexta-feira e ressuscita no domingo seguinte (domingo de Páscoa).
Antes do Concilio de Niceia de 325 da Era Actual (EA), a data da Páscoa era calculada relativamente à "Pessah" (para que não coincidissem) ; após esse Concilio passa a ser calculada segundo uma regra fixa que, em termos práticos, determina a sua comemoração no domingo seguinte à primeira lua (lua-cheia) que segue ao equinócio da Primavera.
Foi executando uma tabela matemática para cálculo da data da Páscoa que o monge Dionysius Exiguus (470-544 EA) decidiu, em 525 EA, que a data do nascimento de Cristo (Anno Domini) teria sido em 752 após a fundação de Roma (auc : ab urbe condita).
Segundo a mitologia cristã, Cristo teria nascido durante o reino de Herodes, o Grande (rei de Judea ou Iudaea), porém, os dados históricos e arqueológicos, revelam que Herodes morreu cerca de seis anos "antes" da data atribuida por Dionysius Exiguus a esse nascimento.
Não podendo refutar as provas (o recurso à fogueira passou de moda) a Igreja aceita que os cálculos de Exiguus são erróneos e… nada altera !
O que é comprensível, pois, se começa a incluir dados históricos na mitologia, arrisca a desmoronar a virtualidade que arquitectou.
Aliás, aos que raciocinam, parecerá estranho que somente no século VI da Era Actual (EA) alguém se preocupasse com a data de nascimento de Cristo que até então repousava (entre outras hipóteses) numa referência incluida num dos livros oficiais da Igreja (o evangelho de Lucas) que indicava ter Cristo 30 anos no 15º ano do reinado do Imperador romano Tibério e nas informações de Hippólito de Roma e do historiador Orósio, que indicavam 752 ab urbe condita, o que era coincidente com o "palpite" de Exiguus, demasiado coincidente, pois incluem todos o mesmo erro com referência a Herodes…
Mas, nas crenças, antes como agora, que importa a realidade ? Se necessário for, acertasse a realidade pelo mito !
Durante séculos, Cristo foi considerado um "ente gnóstico", como sempre defendeu Saulus (Paulo) de Tarsos.
É somente a partir do ano 150 EA que a comunidade cristã de Roma se separa dos cristãos gnósticos e elabora o mito de um Cristo humano, crucificado, uma atitude compreensível numa perspectiva de divulgação de um "quase deus" entre os seguidores de doutrinas e ritos próximos dos fenómenos naturais, que os cristãos denominavam "paganismo" !
Quanto ao dia do nascimento, um "computo" escrito em 243 EA, atribuido a Pseudo Cipriano, fixa o 28 de Março mas, em 375 EA, o Papa Julius I anuncia, sem mais explicações, que a data de nascimento teria sido a 25 de Dezembro (data em que se festejava o nascimento do deus Mitra e as festas romanas das Saturnálias !).
O povo continuou a festejar como habitualmente mas, o contexto foi progressivamente sendo alterado !
Pela intensa propaganda que todos nós suportamos desde a mais tenra juventude, muitos comportam-se como o teólogo Albert Schweitzer (1878-1965) que, reconhecendo no prefácio da 1ª edição do seu livro "Vida de Jesus" a inexistência de documentos históricos dignos de credibilidade que certifiquem a historicidade de Cristo, mesmo assim decide escrever a sua biografia !
As doutrinas religiosas, todas as doutrinas religiosas, são actos de fé, não de razão !
O calendário de Dionysius Exiguus sobre as datas da Páscoa foi aprovado pelo Papa João II em 533 EA, e serviu para determinar o inicio da nova Era que deveria suceder à Era de Diocleciano.
O nascimento de Cristo é pois, "oficialmente" reconhecido como sendo a 25 de Dezembro de 753 auc, e o ano 1 do Anno Domini faz-se coincidir com o inicio do ano Juliano (calendário Juliano), 754 ab urbe condita.
Mas, a Era Cristã somente começaria a ser utilizada na Inglaterra no Sinodo de Withby em 664 EA, e consagrada pelos esforços do monge Bede a partir de 676 EA.
No continente começa a referir-se no século XII, em Espanha no XIV e no mundo grego no XV.
Em Portugal, a Era Cristã é oficialmente adoptada em Agosto de 1469, passando o ano para 1422 !
Antes da invenção da "Pessah" como saida do Egipto, os hebreus festejavam nessa época do ano o início das sementeiras, e os europeus, muitos séculos antes da imposição do cristianismo pelo Império de Roma, enalteciam a Natureza nesse renascimento da vida que representa a Primavera.
Daí que, ainda na actualidade, neste momento do ano se ofereçam ovos (agora de chocolate), um símbolo de fertilidade !
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